sexta-feira, abril 29, 2005

A Genealogia do Abraço

A genealogia do Abraço

Sentimos invariavelmente a necessidade de um abraço. A ruptura com a consciência da dor. Praticamos incongruências, somos insurrectos diante da virilidade. E se eu me desandar, e se eu procurar formidáveis formas de amar, louvar o disparate e elevar aos sagrados céus cristãos o gosto pela beleza, usurpar o trono do deus menino para, somente, dar “consistência à carne”. Flutuar eternamente por meus próprios caminhos; Jesus disse: “eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida”. Meu porto não é a compaixão... Mas meu martírio não termina em uma cruz. Prefiro anjos velados sob o véu do pecado. Ah, as mulheres! Tornei-me um fiel seguidor da carne. Não tenho inclinações judias para o casamento, leio em meu desjejum as Memórias de Casanova. E num belo dia de sol, ao som de um bom samba – Cartola que me perdoe, mas prefiro Ismael – ficarei nu, sentindo o rebuliço do vento em minhas partes, gritarei pedindo concórdia: cinco vivas à libertinagem! Então, nesse Dia, não haverá guerras, os vizinhos se beijarão na face, os semitas lavar-se-ão na chuva, juntos.
Poucas foram as vezes em que se alegou historicamente a Grande Ruína, e o primitivismo das alegorias usadas se tornaram a chave para a incompreensão. E o dia não termina, sem que nos dêem a chance de agasalhar-nos. A fraqueza retoma seu Cetro, franze o cenho e faz caretas horríveis. Os cães assaltam os corações mais depravados. Ditadores corruptos abanam as orelhas e assumem o domínio. O fracasso será proeminente. A invasão será o início da bajulação. E o Abraço? Chamaram-no de profano, deram-te o primeiro tapa, e a coluna se partiu, expondo a feiúra dos corpos doentes. Adolescentes cansadas da primazia do tédio vestirão túnicas vermelhas, azuis e verdes. E o sexo será artifício supremo no ritual dos novos tempos. Os pais assistirão deliciados, assumindo incestuosas paixões. A suposição há de brilhar nos olhos mais ávidos e afoitos. E o abraço, tendencioso, cederá lugar às caricias mais heréticas, eriçando os pêlos.
Quem quer se aninhar, perguntou-me certa vez uma tal de Eva, eu atordoado abocanhei-lhe os peitos, ouviam-se gritos e gargalhadas como se fossem chagas na noite quente, padres vomitavam de horror, juizes amalucaram, e policiais desfaleceram ao pressentir meu nome. Dêem-me uma chance e tudo estará perdido, é somente o que cobiçamos, todos sabem. Olhos marejados diante da doutrina, nunca mais. Pulsos lacerados sob a disciplina do medo. Nunca vire as costas a uma autoridade, ou, logo farão com que Hitler seja canonizado ou coisa parecida, quem acredita nestas sandices de perdão ou remissão de culpas vis?
Liguem o “Foda-se” e abracem-se com perversidade sexual, que mal há em ser promiscuo? Este é o meu Evangelho. E que Maria Madalena me proteja.

George Saraiva
21 de abril de 2005, minutos antes da ultima masturbação.

domingo, abril 03, 2005

trinta de março de dois mil e cinco, vitória, casa alta (gauche)

Amor? A camisa pesada com cheiro de cigarro no meio-dia infernal, e ela feliz e leve ao lado. Talvez, impossível! Como o prato sujo de Domingo pousado ao lado da tv enquanto ela cantarola uma melodia inaudível qualquer. Na Quinta-feira então... o amor se esconderia no porta-retratos mais próximo, e ficaria lá, rindo, de shorts e camiseta num quiosque baiano. E ela jogaria o prato pela janela, como fez com o cinzeiro que passou cheio por três dias na mesa da sala. Mas seria um jeito teatral de se mostrar feliz. Porque quando o amor ainda prendia nossas mãos, ela se lamentou de nunca ter sido forte o suficiente para violências. E agora! O amor só aparece pelas manhãs quando ainda estamos naturalmente bêbados e sem saber exatamente o que pensamos ou fazemos. Ela ri. Conserta a gola da minha camisa. Sai beijando todo mundo pela casa. E sai para se estressar. Ela adora ficar estressada. Nunca economiza dramaticidade ao responder um como vai com muito estressada. Tão estressada que já nem chama mais o amor pra dormir. Só traz as mesmas expressões das máquinas de exercício. Sua. Grita. Estica-se. Contrai-se. Cai cansada, respira forte, levanta um pouco depois já mole de sono, e volta do banheiro exalando cremes de dormir e boa noite. Muito diferente de quando o amor queimava incensos, tragava vinhos, esmagava os lençóis, delirava... Nem com jazz; nem com chocolate quente quando chove, ela faz outra vez a cara que fazia quando ganhava uma florzinha quase morrendo que eu arrancava nos canteiros dos contornos. Beijava meu rosto; deitava a cabeça no meu peito; arrastava-me pelo braço para o sofá e perguntava o que eu queria assistir enquanto o amor nos colava com suor. Isso até a sala ficar um inferno, a casa um tédio só, as ruas uma merda, e o amor um produto vencido que já estava fedendo na geladeira desde o dia dos namorados.

trinta e um de março de dois mil e cinco, casa alta, vitória (gauche)

Talvez a estrada me engula como não quiseram os amores. Com seus bares de beira de rua cheirando a vitrines sujas de óleo e marcas de mão. E quando tragado, o conhaque me ferva mais que os beijos idos. Servido por uma garota que eu nunca amaria, mas que nesta hora seria a mulher que sempre tive. A mulher minuto. Tida por muito pouco e indo como todas. A estrada, talvez, não passe por mim sem eternidades. Sem infinitos traçados pelos faróis e cercas e pastos longos colados nos arrebóis. Ou pior, talvez passe. E o desespero me surpreenderá outra vez, como nos amores. E no desconsolo do demorar das horas; no mormaço da espera fútil, eu volte a tremer de dúvida. E voltem também os medos fartos, os tristes gestos, as mágoas tolas. E eu, talvez, simplesmente feche os olhos e solte as mãos do volante, como nos amores.