sexta-feira, dezembro 03, 2004

O APRENDIZ DE FEITICERO (Lacruz)

- Vai, exprime.
- Não sei dizer.
- Isso basta, prossegue.
- Não sei dizer, se não dizer que não sei.
- Agora corpo e cenário a quem fala
.
O velho literato exercitava pela primeira vez o jovem, que, dias antes, a pedir-lho que ensinasse a maestria do ofício, acolhera em sua casa. Não era ainda afamado e por isso a lisonja do convite, além da inclinação à homossexualidade, dito que os rapazote tímidos lhe causavam embaraçoso frissom, e dito ainda que Josias era desses acabrunhados, permitiram-no que recebesse o estranho sem maiores cautelas.
- Bem... O eremita era revolucionário. Mas tímido como só, protestestava em brados surdos, encerrados neles mesmos.
- Agora explode, afrouxa o verso que está seu conto.
Um rapaz de vinte e cinco anos idealiza. Chamasse Jesus, interpretariam o jovem Lino como o mesmo líder erigido pela vontade de tornar coletivo. Creiam essa sua disposição, mas é tímido, não se faz compreender pela maioria dos círculos que trafega; vê-se quase sempre na terceira pessoa pelo terceiro olho no centro da testa, como deveria ser, caso o passado acontecesse em tempo real.
Ontem decidiu-se, depois de tanto cuidar, a enfiar o dedo na ferida. Acorda cedo, segue o ermo que ainda não lhe ocorre até o fundo do estádio. - Sejam bem-vindos companheiros... (...) (...) (...) A platéia especulada, descaminhava o raciocínio. - Bem vindos companheiros... (...) Bem vinda... É sempre uma dificuldade até contigo nada. Deita-se no palanque para acompanhar as nuvens.
Tempos depois ouviu-se o verso que permanecera calado.
- Acabou?
- Não sei Fernando. Vamô fuma um, tomar uma cervejinha ouvindo o Piper At The Gates of Down que eu sei que você tem.
- O texto tá ficando bom, tá meio confuso e solene de mais, mas dá pra melhorar.
- É é verdade. Josia sabia que a cara estupefata não condizia com a crítica, até começar a duvidar. - Sabe Fernando. Os olhos acesos. - Eu sou você amanhã.
- Isso quer dizer que eu sou você hoje?
- Não. Ontem.
- E hoje, quem nos é?
- A intercessão dos dois planos.
- Cadê ele?
- Dorme agora.
As ultimas palavras acordaram Manfredo Júnior. A mulher com quem dormira estava sentada. - Querida, eu tive um sonho muito estranho hoje. - Me conta. - Não lembro bem, era uma cena, entre dois espelhos. Eu estava pendurado, estendido do futuro ao passado como um corpo único.

- Esse você criou agora Fernando?
- Eu só vesti sua idéia numa instalação pós-moderna. E dei também um final para aquele seu personagem. Quer ouvir? O cara vai pra casa insatisfeito, aí bota um disco do cartola, e, comovido já na primeira canção, num deleite solitário, percebe que não precisa socializar coisa nenhuma. E termina com um "Falo baixo" bem alto.
- Ficô meio The Wall in the poetican Lacroeition.
- É. Mas no caso, ele enclausura as idéias por que no fundo sabe que não serão eficazes para engendrar mudanças, que o seu mundo cego surdo e mudo, é pela propria vontade. Já não há vez para os revolucionários. Que que se acha de: Estendeu a bandeira, na parede branca do quarto.
- Só que o sistema contra o qual rebela-se o nosso, é fechado e exige o mártir, como sempre será; as revoluções desconstroem, para depois, dentro uma nova ordem, criarem o novo circuito, assim continuamente. Tá certo que é uma tarefa ardua demais, mas não diga a deus ao sonho.
A lenta gestão da casca, ao ritmo das nuvens que observou, idos trinta e cinco anos cristalizou-se.

4 Comments:

Blogger Ariel Lacruz said...

Um nó.

4:20 PM  
Blogger George Saraiva said...

Eu, afim de desorientar minhas dicotomias envelhecidas me retenho na diversidade modernosa de seus textos. Quase-trocadilhos-vanguardistas, na minha opinião. todos nascemos com pé no clássico e o outro no meio do nada. Mas gosto ainda mais do que escreve somente por achar que existem estas diferenças.

11:49 AM  
Anonymous Anônimo said...

porra ariel, é a melhor coisa, pra mim, que já li de você. mesmo mantendo a obscuridade temporal e psicológica o texto ficou claro. muito bom!muito bom!!!!

gauche

12:27 PM  
Anonymous Anônimo said...

Ari!... Seu texto ficou ótimo! A idéia de colocar histórias dentro da história em diferentes tempos e espaços prende a atenção do leitor... enfim ficou ótimo...
beijos
Iaiá

8:28 PM  

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