terça-feira, novembro 09, 2004

Náufrago Escocês (Ixo)

(Baseado no “Conto em letras garrafais” de Marina colassante.)


Era branco, baixo, típico escocês. Usava uma barba bem aparada até o naufrágio e a manteve, descuidada pela falta de navalhas, até a morte.
Capitão do navio, foi abandonado pelos marujos, que lhe roubaram os botes e fugiram antes –Que morresse, afundasse com a nau, já que era o capitão.
A carga: doze mil garrafas de rum e uísque que lançou ao mar com as caixas, para emagrecer o navio. Saltou depois, só com os braços, quando o último mastro ia a pique...
E chegou em terra a nado; antes das garrafas.
O fato é que a partir daí, por tempos, diariamente esvaziava no gole uma garrafa e metia-lhe gargalo adentro um pedido de socorro, lançando em seguida ao mar, com embriagada esperança.
Nenhuma resposta.
Ia-se o tempo, iam-se as esperanças; Assim como o tempo, estas também não voltavam.
Esgotou-se seu alcoólico repertório e a esperança esvaiu-se. Mas meteu-se, já pelo vício, a escrever poemas e lançá-los às ondas, como fizera antes com os monossilábicos pedidos de socorro.Escrevia um poema, esvaziava uma garrafa; antes que acabasse a primeira, vinha-lhe outra inspiração; matava num gole e esvaziava outra garrafa. A cada garrafa, outro poema; a cada poema, outra garrafa...
Sua vida de poeta durou um tempo. Pouco. Cantou o mar, os coqueiros anões, as gaivotas, os grilos da noite, suas saudades, os destroços do navio espalhados pela praia, as amoras, o rum e o uísque.. Escreveu-os aos milhares, ininterruptamente até que enfim esvaziou a última das garrafas que as ondas haviam trazido à praia. E morreu. Sem ter tempo de meter garrafa adentro a obra de sua última e derradeira inspiração.
Naquele momento ancorou, do outro lado da ilha, um navio das frotas escocesas. No bolso do jaleco do comandante, um poema que exaltava as coxas de uma dançarina francesa do passado. No fim da folha, à direita, as coordenadas da ilha e a assinatura:
“Capitão Willian, poeta de vossa majestade”.

V. Velha, 21, Nov. 1995

1 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Entendo a dançarina francesa... Mas ñ entendo um "navio" com rum... 12 mil garrafas??? Deve ser mesmo. Eu que não sei. Já pensou o tamaninho de uma caravela ou algo assim por estilo nos dias de hoje?! Bjs... Amore, ainda assim... adoro tudo. Bjs.

4:14 AM  

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