Iniciação negra
“A vida primitiva continua operando em meus sonhos”, pensava nisso constantemente enquanto visitava pela primeira vez a lápide de um amigo de infância que morrera prematuramente jovem, - será que ainda sonhava? Onde foram parar a matéria de seus sonhos, outrora nossos?... Lembrei-me de coisas estúpidas e grosseiras para o momento. Uma madrugada, saindo de uma alta festa, tínhamos que levar uns amigos bêbados de volta ao lar. Estava decidido que iríamos no último ônibus (ou no primeiro, se assim desejassem os deuses orgíacos) pois desgarrados boêmios, não tínhamos um puto no bolso, não tínhamos carro, nem tão pouco dinheiro para o derradeiro táxi, nem mesmo conhecíamos alguém que se conduzisse sobre quatro rodas, mas eram bons tempos. Colocamos este amigo bêbado de todas as coisas possíveis sentado na primeira cadeira do ônibus, claro por ser mais fácil e por não agüentarmos carrega-lo até onde nos sentaríamos, os menos ébrios. No momento da partida, inusitadamente o resvalado companheiro esborrachou-se no asfalto, havia caído pela escada da frente e rolado até o chão ao lado do ponto de ônibus. Rimos todos e ruidosamente levamos aquele camarada nas costas até sua singela cama.
Por que lembrar-se de algo tão estúpido numa hora dessas? Uma homenagem talvez. Era esse talvez, o único jeito de honrar os mortos.
Por que lembrar-se de algo tão estúpido numa hora dessas? Uma homenagem talvez. Era esse talvez, o único jeito de honrar os mortos.