quinta-feira, maio 31, 2007

Calmaria


Eu sinto. Por ela venta em meus cabelos. A poesia. Por ela eu sinto. Sento-me na grama para ouvir o fim da tarde. Ponto. Pouso. Tudo repousa: Vênus acende enquanto as cigarras cantam escondidas nos arbustos que me fazem sombra. Meu cigarro apagado no canto da boca compõe a cena. Parda. Pardo. O céu apaga lentamente, diluindo todas as sombras em apenas uma. Anoitece e eu permaneço contemplativo. Impressionado.

terça-feira, maio 22, 2007

making of do feliz dois - vinte e dois de maio de dois mil e sete - casa alta

A placa fica suspensa na sala. Na parede de frente para a janela. Entre elas, estamos nós. Ora degustando a placa, ora bebendo a janela. Mas sempre, garanto, sempre estamos longe de tudo isso. Num lugar, talvez, nos sulcos negros dos vinís. Nos sumidouros das tortas harmonias. No movimento da luz. Nos outros quadros também. Nossas cabeças sondam os cantos de todas as questões e em nossas caras nada. Só os tantos pares de olhos parados nas coisas mas, também, nada.

segunda-feira, maio 21, 2007

making of do feliz - vinte e um de maio de dois mil e sete - casa alta

O mato lateja no sol quente. Fica parado na janela, só ouvindo. Nossa janela é um dos quadros mais bonitos que eu já vi. E é viva. Tão viva que até venta. E o vento passa pelo mato e o faz deitar e subir e deitar e subir, como se dançasse. Dança na janela como se ouvindo já não mais parado. Nem ele, nem o cortinado azul que eu adoro pedir para manter fechado. Eu sei, é um pecado sim. Mas pecar é tão bom. Nós sempre saímos do pecado com um sorrisinho cafajeste. Sempre se goza depois do pecado. O mato que me perdoe.

quinta-feira, maio 17, 2007

No táxi

Nina Simone, nós dois recostados na vertigem do banco traseiro, bêbados e em alta velocidade, com os olhinhos apertados... É tão bonito que eu poderia até morrer.
- Dá um beijinho como se fosse pela última vez?

sábado, maio 12, 2007

O bêbado e a mariposa


Foi quando entrei no banheiro para despejar os excessos alcoólicos que avistei o animalzinho, imóvel e desconsolado, contemplando o fosso da privada. Indaguei se um pouco de adrenalina para o bicho não lhe daria a satisfação de narrativas fantásticas, como as fábulas que meu pai lia quando eu era criança: e o gigante despejou através de sua piroca descomunal um jato sulfúrico de cor laranja e cheiro pestilento sobre as asas do bichinho que lutou contra a correnteza que o impelia ao fosso dos afogados. A mariposa volvia na turbulência da água.

Mas se morresse não contaria seu feito épico.

Apiedei-me do bicho julgando meu ato sem fim senão a maldade. Enfiei um prestobarba enferrujado no vaso e retirei-a ensopada e imóvel.

– Estaria morta?

Aliviado eu repousava sentado sobre o muro da sacada, empunhando um cigarro intitulado do amanhecer, quando reparei nos postes. "Os postes aclaram a negra idade das manhãs". Não, este não seria o bom começo de uma história. Nem o meio e nem o fim!

Afligiu-me novamente a pressão na bexiga. Entrei pela porta do banheiro e subitamente fui recobrado do episódio com a mariposa que vinha em alta velocidade se espatifar no meu rosto.
Pousou em meu ombro, reconheci-a pelas antenas caídas. A senhorinha veio agradecer, mas eu estupefato sequer fui capaz de levar-lhe o dedo comiserado antes que ela saltasse e sumisse pela báscula. Por sorte, e inspiração imediata, ao menos fui capaz de contemplar no júbilo de suas asas a minha boa ação. Havia, enfim, o que escrever.

quarta-feira, maio 09, 2007

Asfixia


Eu aguardava me aguardando o grande amor cheio de vontade matar a saudade eu precisava da mulher que me beijasse ao telefone e dissesse qualquer coisa que não fosse estar confusa àquela hora eu não sabia ser mais ilha eu só queria aportar eu precisava respirar só precisava ar só precisava...