terça-feira, agosto 29, 2006

quatorze de agosto de dois mil e seis - casa quatro - vitória

E neste ponto de dúvida em que me encontro, fico em uma perna só, cantando e bebendo como um decadente na mais irrecuperável alegria. Neste ponto, vou cambaleando em curtos ataques de passos tortos e pulinhos de euforia. Na madrugada de gelo e poucos postes. Um bando de bêbados rezando para que o dia não amanheça mais, para que a mesma alegria não os deixe na cara do sol. Eu, mesmo duvidando, paro a noite com um grito e prolongo sua frialdade com outra dose de conhaque. Os bêbados gritam em homenagem ao tempo multiplicado: milagre!


j. gauche

terça-feira, agosto 15, 2006

vinte e dois de fevereiro de dois mil e cinco - casa quatro

No claro escuro da tarde que precede a noite, quando nem luz nem cor, encostado nos pés de uma árvore, delirando, vi uns porcos aparecendo na paisagem num grupo de cinco. Estavam alegres, não corriam nem estavam cansados, mordiscavam uns aos outros dando pequenos coices quando doía, transparecendo um bando sem líder. Não me viram. Permaneci letárgico como uma borboleta camuflada entre os lagartos. Um dos porcos, num ataque fulminante de correria, se atirou do penhasco empedernido. Os outros se olharam perplexos. Foram até à beira das pedras, olharam, nada do outro porco. Voltaram para aonde eu estava – ainda sem sequer olharem para mim – sentaram-se uns, um outro deitou mesmo, e ficaram olhando para o céu como se estivessem pensando – parecia –me que eles eram mesmo capazes disso. O que deitou, dormiu rápido. Os outros três, esquecendo o céu e as abstrações, começaram a come-lo com a calma de quem degusta: primeiro a garganta, eles odiavam sua voz, gritando para morrer então... ninguém agüentaria mesmo. Concordei com o gesto, se tem mesmo que comer outro como você, nada melhor que começar pela parte que mais te agride, guardei como lição de vida. Em seguida me deixaram confuso, pois partiram para o sexo do parceiro-refeição. Um dos porcos numa demonstração de satisfação, peidou, e os outros dois não se distraíram um segundo, devoraram o amigo em minutos. No final os três dormiram. Pensei, em meus delírios, que dormir ali com aqueles três porcos, numa noite sem muita luz, não seria uma idéia muito agradável. Mas também voltar para a casa não. Quis pular do penhasco – o outro porco me parecia tão certo do que fazia – e no mais, e se eles me descobrissem ali? Será que também me roeriam? Ou seria um desses casos que o pavor me faria gritar tão alto que os espantaria? Bem... casa não. Penhasco, talvez.

sábado, agosto 05, 2006

Carta ao Porquinho-da-índia

Para Dandan


Ainda estou atordoado. Conflito necessário, cócegas, porquês e afins. É barata a minha animosidade, porém doce é a ilusão de sublimar o teu afeto, e de tantas ressalvas e vorazes vontades morreu só a saudade num boteco na praia do meio. O andar descalço, por pontes, aparatos, a destreza desviando-me do sol, de um punhado de carros num domingo que não deveria acabar. E só o reencontro perduraria dispondo-se controverso para beijos antes planejados numa cumplicidade velada. Sabes que pode ser trejeito, ou vontade e loucura apinhando nos meus bolsos repletos de chicletes e cigarros para maquiar a ansiedade.

Solicitei a presença da ventura para encarar meus amuletos, para tanto, não tive má sorte, salvei-me dos infortúnios num dia chuvoso (aliás, nosso sempre, né?!), pois ganhei companhia por toda a viagem, voltei, mas tenho os meus contratempos, quisera eu ficar, e ter enaltecido na memória mais um caminhar, levemente bêbedos por um caminho que não levasse a lugar algum, nem Guarapari, Anchieta ou Ecoporanga.

Abarquei um dia e meio de amarguras, guardando possibilidades e tais amenidades que poderia lhe contar por mais um dia, e dizer depois que se quisesse poderia dormir no meu colo. Ou cantar-te uma canção ao ouvido e abraçar, nos entrelaçando, sem precisar saber, já que ter razão não importa mais! Tenho os meus devaneios de lembrar, e mais aparatos, músicas, livros, cheiro e lembranças, que eu espero, não ficarão empoeiradas.

Ainda teremos dias felizes? Em relvas esverdeadas.Que haja um sol tão bonito, um rio tão limpo e mais metáforas de paz, que só haveria lágrimas pra consolar o riso numa noite que seria tão longa que mal daria tempo pra ficar acordados. Teríamos vinis de jazz e bossa nova e sambas pra não contar mais, vinho do porto e amigos pra convidar... Mostraríamos meus poemas novos que acabei de escrever pra você e sorrindo sem graça você diria a eles que sou bobo.

Eu nunca mais ficaria triste, e você não teria vergonha em me contar os seus segredos. Estou aqui, me rindo, imaginando conexões cósmicas e conspirações e ruas em praças distantes, horas e horas pra fazer muitos carinhos, beijos rompendo dias para não haver mais esquecimento.

Saudade é nome de lembrança boa...

George Saraiva