
Paramos num ponto no alto de uma serra, onde a terraplanagem começava, preparando pro asfalto prometido que nunca vem. De lá tinhamos uma vista de larga distância dos montes até a Bahia. Aquela última montanha que dava pra ver antes da atmosfera tornar o horizonte opaco certamente estava bem adiante da fronteira, uns cento e cinquenta quilômetros adiante. Subia pela estrada serpenteante uma figura, lá longe, ainda no pé da serra, e empurrava uma bicicleta vindo em nossa direção lentamente.
Jair segurava a garrafa de white Horse entre as pernas sentado no barranco, o fusca estava mais adiante com as portas abertas e um prato com queijo e cigarros no banco do carona. A figura vinha se aproximando e quando chegou a uns quinhentos metros deu pra perceber que era um velho. Continuou a marcha tocando a bicicleta até chegar até nós. Eu tinha acendido um cigarro e estava sentado no barranco ao lado de Jair e meu irmão, na beira da estrada, bem na curva:
-Boa tarde! -soltou o velho já encostando a bicicleta no barranco e puxando do bolso de tras um pacote de fumo.
-Boa tarde.-respondemos juntos.
-Que calorzão, né...
Consentimos com a cabeça, ele continuou tirando do outro bolso um pedaço de papel e começando a enrolar o cigarro:
-Cêis num viro praí pra baixo um cavalo branco não?
Meu irmão perguntou se tinha fugido e ele negou.
-Roubaram então?
-Não, só escapou, só.
-Mas o senhor não disse que ele não fugiu?
-sim, disse. Fugir é quando tá fechado e ai sai mesmo assim, mas escapar é quando você deixa aberto e esquece. Ele só escapou, só. Cêis num víro, não?
-Não. -respondemos outra vez juntos.
Tomei um gole do White Horse e servi outro pra ele:
-Como é mesmo o nome do senhor? quer um gole?
-Doca de Santa rita...-disse apontando um vilarejo ao longe, no meio dos pastos verdes -se vocês me der eu aceito um bocadinho, sim.
Entreguei a ele o copo e ele matou a dose de uma vez abaixando a cabeça e devolvendo o copo sem olhar pra nós.
-Mas que Calorzão heim! -repetiu.
-É sim...
-Como pode moço... muito quente mesmo né?
-É..
Colocou o cigarro apertado na boca e acendeu, tomando da bicicleta e já começando a sair:
-Nossa senhora, que calor! Brigado Ocêis... vô terminá de subi a serra. Os moleque disse que viro o cavalo branco cá pressas manga - foi empurrando a bicicleta.
-Seu Doca? Deixe a gente tirar uma foto do senhor?
Ele ficou sem graça. sentou-se outra vez e olhou pra câmera sério. Não entendeu direito enquanto eu segurava a câmera em frente a nós dois pra eu tb sair na foto, olhando pro espelhinho da máquina. Por fim, como que dizendo que tinha entendido disse:
-Confirino ai, né?
Eu, interpretando, fiz que sim com os olhos enquanto ele se levantava e pegava a bicicleta.
Riu e seguiu atrás do seu cavalo branco; nos continuamos lá, no meio do nada da estrada inacabada, admirando a paisagem ao por do sol, com o nosso.