segunda-feira, dezembro 04, 2006

LOST IN PARADISE


“Na noite de 24 de setembro, o artista americano Devendra Banhart se apresentou em Vitória, na edição capixaba do Tim Festival”.

O espetáculo era mutante, um ato contínuo de criação, sem ordem e sem limites, com desfecho imprevisto inclusive pelos artistas, como tem de ser...

Afrouxei as rédeas. A tensão das fibras já não era mais suficiente para frear os meus impulsos. Ouvi os estalidos dos nervos que se descontraiam. Deixara de ser marionete.

Eu realmente passara por maus bocados antes de chegar ao show. Lutava por me recompor, mas o olhar inócuo revelava a anestesia, o descontentamento por qualquer motivo desconhecido, mas ainda assim presente, e logo naquele dia.

Cheguei composto integralmente por calos e silêncios, em meus bolsos somente farrapos, quatro moedas de um real e um pente. Nada que valesse duas cervejas, mas não seria necessário. No escuro do teatro se acendia um gracejo, uma felicidade por poder sentir, por poder ser tocado. Na arte encontrava o êxtase.

O vento satisfazia meu desejo de intensidade. A música era, por si só, uma viagem de carona na carroceria de uma caminhão em alta velocidade.

O ritual que se estabelecia no palco incitava o transe. E eu de repente parecia tão leve.

Flutuei, desprendido da gravidade. Mas foi breve. O teatro tinha algo de quadrado, ou talvez fosse eu mesmo, que fico encabulado quando percebo meus gestos ostensivos. Contração e expansão periódica, inspirava o momento, expirava o passado. Poderia ter fechado os olhos e me cercado do infinito, sem ao menos ter me levantado do assento, mas não quis perder de vista os barbudos performáticos, com suas danças de flamingo.

De todos os cantos em que buscaram referências, desde o Texas - a terra natal - , passando pela verde e sufocada América Latina, Índia, Inglaterra, África, Brasil, os elementos singulares ressaltavam.Uma viagem, literalmente.

Ouvi dizer que os saltimbancos ficarão uma temporada por aqui, para aprenderem com os músicos locais nosso ritmo e textura.

Entre uma música e outra Devendra arranhou João, Caetano. Era bom ouvir um agrado sincero a esse país surrado pela inadimplência. Um país que gerou personagens como João Gilberto, Caetano Veloso e Arnaldo Baptista – seus maiores ídolos brasileiros, e também os meus – necessariamente tem de ser notado. Caetano e Arnaldo são para mim gênios incontestáveis que em muito me influenciaram, e que por sua vez foram influenciados pelo mestre dos magos, João.

ARTE, ARTE, UM ESPETÁCULO DE ARTE!!!!

E eu já andava cansado de entertainments, com o profissionalismo forjado tal qual uma armadura, rendidos à ilógica mercadológica da indústria. Devendra Banhart é um sopro novo, uma esperança de vigor artístico dentro de uma geração esvaziada. Ficara claro que a audácia para reinventar ainda não havia sido absolutamente destituída, o que me deixara imensamente feliz.
Dividindo o palco com o grupo texano, outro representante da música arte, dos poucos remanescentes: Amarante. Estavam lá os dois, unidos pela vontade de experimentar. Devia ter me adiantado ao garoto da platéia que disse que compunha, e me integrado a trupe.

Quando o show acabou fui logo embora. Passava pela escada quando esbarrei num cabeludo de costas, vestido numa camisa colorida e com uma cerveja na mão direita. Quando ele se virou para olhar percebi que o inseto que tanto me emocionara minutos antes estava ali na minha frente.

– Você me dá um gole dessa cerveja? Disse apontando para a garrafa. – Beer, Beer – e fiz com os dedos um sinal de dose pequena.

A noite terminava quando havia começado.

A. Lacruz